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Mini adultos: Conheça os limites de criar um filho Fashion

“Olha que chique. Já é uma mocinha”
“Como cresceu, está parecendo um homenzinho”

As frases acima não são daquela tia que a gente só vê no Natal e que sempre se assusta com como as crianças cresceram. As frases sequer tem relação direta com o real avanço da idade de uma criança. As frases acima foram colhidas na internet. São frases comuns em comentários de fotos de crianças “estilosas”, aquelas vestidas como adultos, que muitas mães e pais compartilham nas redes sociais. A prática já tem até nome e hashtag: “fashion kids” (numa tradução livre: crianças na moda).

A moda de postar fotos de crianças na “beca” é mundial. O site homônimo “Fashion Kids”, por exemplo, tem mais de 3 milhões de seguidores no instagram e cerca de 440 mil fãs no facebook. O site é mantido exclusivamente por fotos enviadas por pais de todo o mundo. E recebe mais de 400 fotos de crianças por dia. A maioria das fotos são de muitíssimo bom gosto, uma criança mais fofa que a outra, mas nem tudo é fofura nesse universo.

Kids
Fashion Kids

As “fashion kids” são mais um fenômeno da adultização, que é quando o universo infantil se apropria precocemente de valores e costumes do mundo adulto. Com crianças se vestindo e agindo como adultos. Esse fenômeno tem encurtado a fase da infância de muitas crianças. E isso é um problema.

A culpa é de quem?

A apropriação precoce do mundo adulto pelas crianças não é responsabilidade delas. A culpa segundo especialistas é do entorno. Explico: a responsabilidade pela adultização dos pequenos é dos pais, da indústria e da mídia.

Isso porque vale aquela máxima de que crianças são como “esponjas”, sempre sugando referências externas. Basicamente a fase que compreende dos 2 aos 12 anos é chamada de heteronomia, é a fase em que a criança segue as regras colocadas pelos outros, com maior facilidade de internalização das orientações e pouco questionamento. Uma fase de maior obediência e também de maior influência do mundo externo. Daí o porquê da criança querer se vestir como seus Ídolos, que podem ser desde o pai ou a mãe até um personagem de desenho ou artista pop (Carrossel, Chiquititas, Justin Bieber, Miley Cyrus e afins).

Quem é quem nessa história

Muitos pais e mães espelham nos filhos seus gostos e desejos pessoais. Então, dá-lhe bolsa enorme de grife, vestido com estampa da moda, camisetas de time de futebol (ou da banda favorita), peças sociais e tênis “de marca”, na criança. Pronto, mais um mini adulto produzido – hashtag “#fashionkid”.

Não vá se arrastar no chão, menino! Sua roupa é nova!

“Os pais precisam entender que existe uma fase para tudo. E a infância é a fase da criança descobrir o mundo se divertindo. É a fase de usar muito colorido, fantasias, laços, de rasgar as calças na altura dos joelhos, se sujar. E é muito mais divertido e libertador para eles explorarem o mundo sem se preocupar com a moda ou com que roupa estão usando”, explica a pedagoga Cristiane Ferreira.

Além disso uma criança quando muito podada e obrigada a adotar sempre um estilo imposto pelos pais pode vir a se tornar uma adulto heteronômico. Ou seja, uma pessoa incapaz de questionar, refletir, repensar, inventar e criar novas regras. Incapaz de se desenvolver sua autonomia positivamente no futuro, mais precisamente na adolescência.

E não bastasse tolher os ímpetos exploradores e de autonomia das crianças, muitos pais ao introduzirem uma cultura de moda para seus filhos, “do não vá se sujar que a roupa é nova” ou pior “porque custou caro”, acabam incentivando valores questionáveis, como se vestir uma boa roupa fosse melhor que brincar e que tudo que é caro é melhor e deve ser poupado. Algo na linha: Apenas exiba, não chute as pedras do jardim, afinal você está calçando um Nike.

Baby
Cidadãos ou Consumidores?

Muitos pais invés de criarem exploradores do mundo acabam criando consumidores. Às vezes por não terem tido oportunidade de usufruírem de bens materiais na infância acabam soterrando os filhos de roupas, tênis e acessórios. Mas nenhuma menina precisa de um vestido para cada dia da semana. Nenhum menino precisa de 10 pares de tênis. Mas muitos pais o fazem, e implícito a isso nasce a ideia nas crianças de que é errado, “feio”, repetir uma roupa. E assim, “sem querer”, os pais colaboram com a manutenção do segundo culpado da adultização: a indústria.

Criança, a alma do negócio!

Os fabricantes de roupas, tênis, acessórios, maquiagens, brinquedos, entre outros, obviamente querem vender cada vez mais. Essa é a lógica do comércio. E uma criança se negar a repetir uma roupa ou calçado é uma grande conquista para a indústria. Um adulto ressentido com a sua infância mais carente que projeta seus desejos nas compras dos filhos e os cria com valores consumistas é o eldorado de toda indústria. E eles sabem que isso acontece e por isso investem bilhões no terceiro culpado pela adultização: a mídia.

A mídia, sobretudo no formato publicidade, é onipresente, está na tv, nos outdoors, na internet, na embalagem do biscoito, na caixa do cereal. Há muito tempo a publicidade já entendeu que a melhor idade para “educar” um consumidor é a infância. E eles querem o seu filho. E um filho que se veste e age como um adulto consome mais. Então dá-lhe sandália de salto alto do desenho “x”, batom do desenho “Y’, “champanhe” de desenho da Disney, sutiã com enchimento com desenho de princesa, numerações cada vez menores de tênis nike de velcro, mini roupas de grifes famosas, ih a lista é longa.

MUITA informação

Novas formas de comunicação surgidas com a internet, como o facebook, youtube, whats app e afins, ampliaram ainda mais a influência da mídia. Passando pelos canais infantis aos apps dos mesmos, as crianças são bombardeadas de informação sobre novos produtos. E elas também são expostas a estes no facebook e no youtube. Não fosse o bastante os pais também já não conseguem acompanhar os hábitos dos filhos e uma hora ou outra eles são expostos a conteúdos voltados para adultos, como, por exemplo, a cultura das celebridades. Isso quando o conteúdo voltado para eles já não é totalmente inspirado no universo adulto como as vlogueiras mirins que ensinam como se maquiar e dão dicas de “looks” para crianças. Ou então os “mcs” mirins do funk e os concursos de misses infantis e caça talentos cujas propagandas falam direto com os pequenos sempre apelando com ídolos teens.

Assim inundando as crianças com muita informação sobre seus produtos e referenciais dos adultos, a indústria e a mídia colaboram para adultização. Sempre incentivando os pequenos a se vestirem como seus ídolos. E reforçando o apelo para que os pais projetem seus gostos nos filhos. Um terreno fértil para o surgimento de futuros adultos consumistas e iludidos com o mundo das celebridades. Pessoas menos críticas, logo, mais alienáveis.

Novinhas e Novinhos precoces

Tava no fluxo, avistei a novinha no grau. Sabe o que ela quer? Ela quer pau pau pau…” Mc Pikachu, 15 anos.

Não, Pikachu, o que ela quer mesmo é educação e respeito. Mas o Mc de uma das músicas mais tocadas no primeiro semestre de 2015 no Brasil, também é vítima. Assim como as meninas adolescentes e pré-adolescentes tratadas de maneira sexista pelas letras de suas músicas e de equivalentes como Mc Melody e Mc Brinquedo(atenção para os nomes infantis de ambos). Os mcs também são vítimas de uma sociedade ainda machista e sexista e que hipervaloriza o dinheiro e status de quem o tem. E isso influencia pessoas de todas as idades. E claro, acaba respingando nos mais novos.

Opa, peraí essa novinha não cresceu não!!! mc-melody-montagem

Além da problemática do consumismo ainda há essa erotização precoce. Muitas mães e pais acabam transformando seus filhos pequenos em mini adultos erotizados, pequenas Miley Cyrus, Anittas e Ludmilas. Bem como pequenos “pimps”, miniaturas de Justin Bieber e Mc Brinquedo com roupas de marca (alô rolezinhos). Algo alcançado com a adoção de roupas muito justas e muito curtas, com roupas de baixo aparecendo propositalmente, logos de grife, saltos altos e maquiagem equivocada. Visuais que não combinam em nada com a inocência dos pequenos.

Erotização precoce e riscos à saúde

Pesquisas já relacionam a adultização com fatores como gravidez precoce e a iniciação sexual cada vez mais cedo. O fato da fase da infância não estar sendo vivenciada na sua amplitude acaba antecipando a adolescência. E ainda há outros temores ainda mais críticos como o risco da criança chamar atenção de um pedófilo na rua ou redes sociais.

Abaixo listamos alguns riscos à saúde das crianças, quando estas utilizam produtos voltados para adultos.

Maquiagem: A pele o organismo das crianças não é totalmente desenvolvida como a dos adultos. Por isso o uso de maquiagem pode causar alergias, muitas vezes, irreversíveis. Mas existem linhas de maquiagens, com substâncias hipoalergenas, que ajudam a diminuir o riscos, mas atenção, não totalmente.

Salto alto: O salto alto em crianças com menos de 12 anos pode encurtar ligamentos, sobrecarregar a coluna, projetar desvios na postura e causar dores na lombar. Essas complicações já são comuns em adultos, que já tem a estrutura óssea pronta e menos sujeita a alterações, agora nas crianças que ainda estão com o corpo em formação os riscos são ainda mais acentuados. Crianças que usam salto acabam moldando suas estruturas ósseas com defeito.

Tinturas e Chapinha: Nunca aplique químicas ou aparelhos agressivos ao cabelo de pessoas com menos de 14 anos de idade. Aqui o problema é o mesmo da maquiagem. A pele e o couro cabeludo das crianças ainda não estão totalmente desenvolvidos. Tinturas e outros tratamentos químicos podem causar problemas alérgicos ou irritativos na pele da criança. E ainda no tocante ao cabelo, estimular a criança a sempre trocar a aparência do cabelo pode interferir na autoestima dela, levando-a a pensar que o cabelo natural não é bonito o bastante.

Cultura Pop: A exposição das crianças a produtos culturais como filmes e novelas, bem como ao mundo das celebridades pop da música, pode antecipar a fase da adolescência. Isso porque a sexualidade é um tema recorrente dos programas de tv, séries e de ídolos pop. Isso aliado a ingestão de comidas industrializadas (repleta de resquícios de hormônios) tem até mesmo antecipado a menstruação de meninas com menos de 11 anos de idade. E psicologicamente pode transformar tais crianças no futuro em adultos depressivos, ressentidos com o fato de não terem vivenciado plenamente a infância.

Mas calma! Também não é 8 ou 80

Apresentados os problemas da adultização no tocante à moda, fica a ressalva, a adultização é a combinação de todos os fatores apresentados acima, junto com outros como o trabalho infantil, a alimentação industrializada e a violência, por exemplo.

Mas voltando a moda. O fato de uma criança uma vez ou outra utilizar uma peça mais “adulta” não fará dela uma criança problema. Aquela camisa do time de futebol ou da banda favorita está liberada. Uma maquiagem infantil para a festa de uma amiguinha também. Bem como um conjunto mais social numa festa formal também não transformará seu filho num mini adulto. Tão pouco um shorts transformará uma menina numa “dançarina de funk”. O short curto só é um problema se for muito justo e vulgarizar a criança.

Social-kids
Claro que eles estão fofos vestidos assim!

Para uma festa não tem problema. O problema é fazer ele(ou ela) vestir social (ou vestido de festa chique) todos os dias.

Tem mais, uma criança pegar um salto alto da mãe ou um paletó do pai para dramatizar uma brincadeira durante um breve período dentro de casa é até saudável para o desenvolvimento da criatividade dela. É o excesso, a cópia idêntica de peças dos adultos, a glamourização e a vulgaridade, o pecado da adultização na moda infantil. Como fazem, por exemplo, os mini sutiãs de bojo para meninas de 3 anos, que transformam uma criança num mini adulto, e pior, um mini adulto com apelo sexual. O inimigo no fim da história é a sociedade. Uma sociedade capitalista de consumo que está se voltando para a adultização e sexualização de crianças.

Nessa história os pais são os guardiões dos pequenos na batalha contra o consumo e seus golpes baixos. E mesmo que a tarefa de evitar que as crianças sejam influenciadas pela mídia e pela cultura de celebridades pareça árdua, lembre-se sempre do que nos contou a pedagoga Cristiane Ferreira:

Mesmo com todos os estímulos externos, da mídia e da escola, a principal influência ainda está dentro de casa, na figura dos pais. Do mesmo jeito que pais que leem podem influenciar os filhos a serem leitores, pais que vão muito às compras no shopping, que hipervalorizam a moda, o consumo e as celebridades, acabam passando isso para seus filhos”.

Por isso o cuidado e o bom senso dos pais é indispensável. A fronteira entre a fofura de um “look”e os riscos da adultização para o desenvolvimento do seu filho é muito próxima.

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Autor desta Publicação
Gilmar Silva
Jornalista e educador.

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