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Para o psicanalista Carlos Mario Alvarez o grande problema não é o marketing em si, mas a ausência do acolhimento e do entendimento afetivo entre pais e filhos
Ternura é uma palavra bonita e sonora. Se tiver cheiro, ternura tem cheiro do que? Será que nossas crianças sabem definir? Afinal, ternura é palavra difícil, difícil de ser aplicada, tem na sutileza a sua essência.
Ternura é palavra doce, que tem laços com afeto, carinho e humanidade.
Pensando sob esse olhar, qual a solidez da ternura nos tempos modernos? Tempo esse marcado pelo bombardeamento do marketing infantil, das grandes campanhas publicitárias trabalhadas para persuadir e lucrar cada vez mais sobre os desejos dos pequenos, sem se importar com a exclusão social e violência simbólica com que atingem milhões de crianças.
Onde há o espaço para o singelo e para a construção educativa baseada no rigor, nos valores e nos laços humanos? Quais os perigos dessa agressão que a publicidade infantil implica com tanta velocidade? Será que estamos criando crianças prontas para lidarem com suas frustrações? Que espaço estamos querendo cobrir consumindo cada vez mais e velozmente?
E é sobre a perspectiva da Ternura e do Marketing que o Psicanalista Carlos Mario Alvarez escreveu seu artigo “A Criança do Marketing: uma Leitura Ferencziana”, publicado na Revista Estudos sobre Psicanálise, número 42, dezembro de 2014, do Círculo Brasileiro de Psicanálise.
Baseado nos estudos do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873 – 1933), que retratou o impacto do trauma infantil na constituição do sujeito, Alvarez discorre, além da teoria do trauma, a linguagem da ternura infantil, que pode ser atropelada pela linguagem da paixão dos adultos.
A equipe do Pais em Apuros conversou com Alvarez, que é Psicanalista e professor convidado da Sorbonne, Paris 2.
Pais em Apuros – Qual a metodologia utilizada para publicação do artigo?
Psicanalista não tem uma metodologia específica. Ele trabalha com os instrumentos da psicanálise. É através da metapsicologia que um psicanalista pode falar do que acontece, do que ele percebe. Então minha metodologia é psicanalítica e pensamento psicanalítico se orienta pela metapsicologia.
Pais em Apuros – Em seu artigo você comenta sobre a ternura e a importância desse signo na educação das crianças. Como os novos pais aplicam esse gesto no cotidiano com seus filhos?
Carlos Alvarez – Primeiramente acho que não há novos pais. Acho que há formas distintas de ser “pais”.
Os pais que são violentos e que são pouco capazes de transmitir carinho, que não se sentem à vontade para brincar com a criança e que usam a criança como escudo de proteção, ou muitas vezes usam os filhos apenas como objetos de consumo, não são pais necessariamente de agora, mas que sempre existiram. Eles não são acolhedores, não fazem o que Donald Woods Winnicott (pediatra e psicanalista inglês do século XX) chamou de maternagem e de holding.
Então nesse caso é muito comum que a criança sofra uma série de intempéries, fazendo com que seu corpo fique marcado pela dor e pelo sofrimento. Não só o corpo mas tudo o que há na nela.
Pais em Apuros – Para você a ternura pode ser vista sob qual perspectiva? Você acredita que dependendo da cultura esse signo pode sofrer modificações? Se sim, qual seria a melhor forma dos pais conduzirem as crianças para esse caminho?
Carlos Alvarez – A ternura é um código universal de acolhimento, de aceitação e de bem querer. Ela não tem uma, nem duas formas exclusiva de ser, nenhuma modalidade específica. Então, isso é encontrado na afinidade, no bem querer, nas formas de amor entre pais e filhos, não tem nenhum tipo de modelo, nenhum tipo de regra.
Pais em Apuros – Em seu artigo você também comenta sobre a morte psíquica da integridade infantil, o que isso pode acarretar na vida de uma criança?
Carlos Alvarez – O adulto é sempre mais forte, mais imponente, tem sempre muito mais elementos de força e de legislação sobre a criança. Então quando ele abusa, quando ele passa da função de acolhedor para a função de agressor é como colocar um animalzinho indefeso diante de um predador.
O que acontece nesse caso é um aniquilamento, sobretudo psíquico da criança. Ela perde as referências, a confiança nela própria e, também, como ensina Sándor Ferenczi (psicanalista húngaro do século XX) para sobreviver ela se identifica ao agressor. Deste modo a criança pode se tornar violenta, ou pode morrer psiquicamente, o que significa que ela desliga uma série de ligações que seriam importantes com o mundo e passa a viver numa espécie de mundo reduzido, certamente depressivo ou até psicótico.
Pais em Apuros – Que tipo de mal-estar/sintoma esse modelo de marketing que vivenciamos pode trazer para as crianças?
Carlos Alvarez– O modelo do marketing contemporâneo é o modelo da superexcitação, o modelo da condução violenta da vontade para um objeto explicitamente de consumo. Geralmente são objetos de uso e descarte muito rápido, mas que fazem parte da cultura.
O problema não são os objetos, o problema é a ausência do acolhimento, a ausência do entendimento afetivo entre pai e filho.
Pais em Apuros – Dentro do ponto de vista da psicanálise o que o gozo máximo e sem limites vivenciados numa criança hoje pode acarretar num adulto de amanhã?
Carlos Alvarez – Do ponto de vista da psicanalise é impossível dizer o que uma coisa que acontece hoje pode acarretar no futuro. Mas a dimensão do gozo sem limites é sempre uma dimensão psicótica, é sempre uma dimensão de morte, sobretudo uma morte psíquica.
Pais em Apuros – É sabido que a veloz indústria farmacêutica e a medicina têm glamourosamente diagnosticado e remediado às pressas qualquer sintoma “inquietante”.
O famoso TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) por exemplo, tem quase virado ladainha na boca das mães frenéticas por pílulas do sossego. Você acha que a experiência do marketing contribui para desenvolver esses sintomas?
Carlos Alvarez – Acho que a dimensão do marketing é exatamente essa: de desviar outros objetos amorosos e eleger apenas esse objeto de troca, o consumo. Então a ladainha do TDHA é muito bem vinda quando os pais são miseráveis e incompetentes. Miseráveis não significa pobres de dinheiro, mas significa pobres de espírito. E pessoas pobres de espírito são uma tragédia para qualquer um, sobretudo para as crianças.
Pais que não querem ter filhos, que não têm jeito, que não sabem, que não podem, que não têm tempo deveriam ter uma certa capacidade de perceber isso e voltar seus interesses para aquilo que eles fariam de melhor, ou, se por acaso vir a ter os filhos que se estabeleça e permaneça com eles dentro de uma lógica do bom viver.
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