Filhos pequenos: Partiu escolinha!
Facebook Twitter Google+ Filhos Pequenos: Volta às Aulas! Por Patrícia Boutros* O início do ano é uma fase de...
No início de junho, alunos de dois colégios particulares do Rio Grande do Sul foram alvos de duras críticas na internet. O motivo: alunos do terceiro ano de ambos colégios organizaram trotes de formatura com o tema “Se nada der certo”, no qual a “graça” era se fantasiar de trabalhadores cujas profissões não precisam de diploma universitário. Um trote teria acontecido em 2015 e o outro este ano.
Os estudantes se divertiram com o tema e tiraram várias selfies vestidos de atendentes do McDonalds, pacoteiros, empregadas domésticas, lixeiros, vendedoras de lojas, motoboys, etc.
O desrespeito e o preconceito com as profissões são evidentes na “brincadeira”, mas acredito nos alunos quando eles se defendem nas redes sociais dizendo que “não foi por mal”.
Veja bem, eu acredito que não foi propositalmente por mal, não que eles não tenham sido preconceituosos em relação aos trabalhadores. Pois eles foram. Principalmente porque a sociedade na qual eles vivem é.
Para estudantes de classe média, passar no vestibular é um ritual decisivo, algo que os dividirá entre vencedores e perdedores. E é isso que os trabalhadores são para eles, perdedores.
A brincadeira “se nada der certo” é comum na internet. Trata-se de um meme no qual pessoas manifestam o que fariam para ganhar a vida, caso seu “plano A” não vingue. Geralmente exagera-se, e a pessoa conta algum sonho meio fora dos padrões capitalistas. Um dos mais famosos é dizer que vai virar hippie e vender arte na praia.
O trote dos alunos gaúchos extrapolou esse bom humor do se ver perdido e insultou muita gente. Mas ele teve um lado bom. O trote escancarou o preconceito velado que muitos trabalhadores sofrem. Tipo: “nada contra garçom ou mecânico, desde que minha filha não namore um”.
E ao mesmo tempo lançou luz sobre uma verdade inconveniente que é quase tabu nos colégios particulares e nas universidades: Diploma não garante mais nada. Mas por que será que tanta gente ainda quer ter um?
Hélio Zylberstajn, professor de economia da USP, recentemente em entrevista para o portal Gazeta Online explicou o porquê do preconceito dos alunos gaúchos: “A gente (brasileiros) despreza o ensino técnico e supervaloriza o ensino superior. É uma tradição ibérica. Como por muito tempo foi uma coisa da elite, passou a ser considerado um meio de ascender socialmente”, declarou.
Outro colega do professor, o pesquisador Wilner Arbey Riascos Sanchez, da Faculdade de Psicologia da USP defende que há uma hipervalorização da universidade como espaço único de ascensão social. “Nada garante que você consiga uma ascensão por sua formação profissional. Além disso, há inúmeras situações que mostram que essa ascensão pode vir mesmo sem formação universitária tradicional”, declarou à reportagem da Folha/Uol.
E o professor Zylberstajn também produziu um estudo que a partir de um cruzamento de dados do Censo do Ensino Superior e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho chegou à conclusão de que não existem cargos na mesma proporção dos jovens que se formam todos os anos. O Brasil está cheio de profissionais desempregados com diploma na mão.
O fenômeno não é culpa apenas da crise de desemprego pela qual o Brasil está passando. De acordo com o estudo do professor Zylberstajn, realmente faltam vagas. Os formandos universitários serão no máximo subutilizados. Algo que já ocorre na Espanha, por exemplo. Lá 40% dos jovens entre 25 e 35 anos têm diploma universitário. Mas a grande maioria não encontra emprego em suas áreas. Tanto que são chamados pela imprensa do país como “a geração perdida”. Pois são a geração com mais anos de estudo, mas ao mesmo tempo a com menos oportunidades nos últimos 40 anos.
Claro que os melhores alunos sempre encontrarão vagas no mercado. Mas o mercado não comporta os bons e os medianos. O mercado recruta pela meritocracia apenas os primeiros da classe. Logo, o Brasil corre o mesmo risco da Espanha de ter de lidar com uma geração perdida.
Tudo porque o senso comum, as universidades e a mídia com seus comerciais e novelas fizeram e continuam fazendo o jovem acreditar que um diploma o salvará. Quando na verdade as previsões para o futuro do trabalho já há um bom tempo são impiedosas.
Centenas de profissões serão extintas nos próximos anos. Inclusive muitas de nível superior, que aliás de superior não tem nada. Ter um diploma universitário não faz alguém mais inteligente ou mais esperto. Muito menos superior a quem não o tem. E é esse entendimento que pode nos levar a uma solução.
As universidades, sejam elas privadas ou públicas, talvez temam esse debate por medo de que ele caia num terreno simplista de que estudar não é importante e que com isso elas possam perder importância. Logo, para se manterem, não se importam de lançar mão de campanhas publicitárias mentirosas que alegam que os alunos saem direto de suas salas de aula para o mercado. Esse é o tipo de apelo de 11 em cada 10 outdoors espalhados pelas cidades ou em banners na internet. “Aluno hoje, profissional bem-sucedido amanhã” #SQN.
Agora imagine o impacto emocional e psicológico que essa mentira pode causar em toda uma geração, como está acontecendo na Espanha. O aluno estuda 4, 5 anos e ao se formar se vê enganado. Não tem emprego. É como chegar ao fim do arco-íris e descobrir que não existe pote de ouro.
A boa notícia é que dá para contornar isso. O Brasil ainda é um país que carece de milhares de profissionais técnicos para a indústria e a área de serviços. Sem falar no comportamento empreendedor que com o futuro sombrio dos empregos deve ser mais do que estimulado.
A educação tem poder transformador, principalmente quando ela liberta as mentes de paradigmas. Por isso as universidades sempre serão importantes. Inclusive elas podem começar esse processo de transformação na mentalidade dos estudantes.
Como? Para começar poderiam adotar o ensino de empreendedorismo como disciplina obrigatória em todos os cursos. Porque atualmente estão prestando um desserviço aos jovens ao alimentarem a ingenuidade do emprego fácil e da carreira bem-sucedida só por se formar na faculdade pública X ou na particular famosona Y.
Seria um excelente estímulo para que as escolas de ensino médio deixassem de lado o sistema débil de decoreba pautado no vestibular. Porque formar o aluno para passar no vestibular não é formar um aluno para o futuro. É formar o aluno para um mercado ultrapassado. Um mercado que está falindo e agonizando. E que provavelmente irá desaparecer no médio prazo.
Indo além, só depois dessa mudança de mentalidade dos mais velhos é que teríamos condição de atuar onde realmente importa: na educação fundamental.
Imagina que lindo formar uma criança livre de preconceitos com relação a profissões. Imagine um futuro no qual dois alunos, um futuro médico e um futuro pedreiro, que estudam juntos na quarta série, venham se encontrar num bar depois de adultos. E lá reconheçam o garçom, outro colega. Agora imagine neste cenário hipotético todos os três se cumprimentando naturalmente, todos confortáveis. Sem nenhum deles se achar superior ou inferior socialmente.
“Imagina que loco”. Imagina que seres humanos “bonzões da porra” que a gente poderia formar. Uma certeza eu tenho. Com certeza não seriam do tipo que fazem festas “Se nada der certo”.
Porque o episódio do trote dos adolescentes gaúchos de classe média é resultado de uma sociedade que está toda voltada para o dinheiro e o status social. Incluindo as instituições de ensino.
No fim das contas a culpa não é deles. A “Educação” é que datou e infelizmente está estragando e desiludindo um monte de meninos e meninas.
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Sobre o autor:
Gilmar Silva é autor do livro ‘Sem Trabalho – Como Sobreviver Num Mundo Sem Empregos’.
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