Sobre Bullying, Assédio e Suicídio
Facebook Twitter Google+ Precisamos falar sobre suicídio Suicídio é a segunda maior causa de mortes entre jovens de...
Parto normal? Cesárea humanizada? Leite materno em livre demanda até quando o bebê quiser? Cama compartilhada até 1, 2, 3 anos?
Xiiiiiii… A minha história de maternagem não teve nada disso! Será que isso faz dela algo menor? Com menos amor? Menos interessante? Faz de mim menos mãe?
Me digam vocês:
Por Juliana Muller Bastos*
Conheci meu marido, Rodrigo, em 1988 em um grupo escoteiro de São Paulo quando tínhamos 10/11 anos. Namoramos na nossa adolescência e após alguns anos afastados, nos reencontramos em 2001, começamos a morar juntos em 2002 e nos casamos em 2005.
Já tínhamos o desejo de mudar de São Paulo (morávamos em um apartamento com pouco mais de 50m2), para melhorar nossa qualidade de vida e criar nossos filhos em um local que fosse mais a nossa cara. A possibilidade da mudança chegou ao final de 2009, quando a ONG que o Rodrigo coordenava resolveu mudar sua sede para Campos do Jordão. Eu trabalhava na área de sustentabilidade de uma grande empresa que estava diminuindo a equipe nesta área e assim ficou ainda mais fácil abraçar a mudança sem medo de ser feliz. Em dezembro empacotamos tudo e fomos para o alto da montanha! Um ano depois da mudança compramos a nossa casa e ela veio melhor que a encomenda: com cerquinha branca, pés de framboesas maravilhosas, pessegueiro, limoeiro, araçá e outras delícias.
Nesta época o desejo da maternidade já tinha batido na porta. E todas estavam abertas para que a natureza seguisse seu curso normal. Ou quase normal, não é? Porque quando passam alguns meses sem que a gravidez ocorra, as opções nunca são muitos normais ou naturais. Vários exames da minha parte e do Rodrigo mostravam que a gravidez natural poderia acontecer, afinal, tudo é questão de probabilidade. Mesmo assim cada médico tentava “puxar a brasa para a sua sardinha”. A minha achava que uma inseminação artificial seria a solução para nossos problemas. O médico do Rodrigo achava que uma cirurgia poderia ajudar a melhorar as chances probabilísticas. Nenhuma garantia. A ansiedade já estava grande sem ter passado por um ou outro procedimento e ficávamos imaginando como ela ficaria após uma inseminação ou uma cirurgia.
Tenho, em meu círculo de amigos, alguns queridos amigos que foram adotados quando pequenos. Tenho outros que mais recentemente construíram suas famílias adotando seus pequenos. O Rodrigo, em sua atuação na ONG, já havia trabalhando com crianças e jovens que vivem em abrigos. E todas as histórias dessas crianças e jovens em abrigos ou da construção dessas novas relações familiares sempre me deixaram extremamente emocionada. Eu sentia que queria passar por esta experiência e encarava que esta poderia ser uma forma válida e bastante natural de formar uma família.
E em setembro de 2010, estivemos em São Paulo para ajudar em um acampamento do nosso grupo escoteiro e lá conheci uma linda menina de 7 anos que tinha entrado recentemente no grupo. Isadora. Passei aqueles dias super próxima dela, me divertindo com a alegria daquela pequena, que dançava, cantava e me cativava. Eu estava realmente encantada com aquela menina esperta e extremamente carinhosa. E, ao final do acampamento, fui tentar descobrir um pouco da história dela. Soube que ela morava em um abrigo da região e que, juntamente com sua irmã, estava esperando por uma família substituta. Aquilo me deixou em um estado que eu nem consigo descrever. Eu fiquei extremamente comovida com aquela informação. Chorei muito. Não conseguia segurar a emoção. Se eu QUERIA tanto ter um filho, imaginem o quanto a Isadora PRECISAVA de uma família!
Imaginem quantas crianças como ela aguardandam por essa chance, por essa alegria! Aquilo mexeu demais comigo. Rodrigo compartilhou de minha emoção e foi ali, naquele final de feriado, que o nosso foco mudou. Não correríamos mais atrás de inseminação ou cirurgia, mas sim de toda a papelada e burocracia necessária para alcançar nossa habilitação para adoção. Eu queria ser a protagonista de uma daquelas lindas histórias que tanto haviam me emocionado antes.
Na semana seguinte já fomos ao fórum de nossa cidade atrás de informações e iniciamos o longo processo de habilitação para adoção. Foram longos 13 meses entre este primeiro contato com a assistente social do fórum, a participação no curso preparatório para adoção, juntar documentos, fotos, atestados, visita da assistente social, entrevista com psicólogo, pressão no fórum para fazer o processo andar, até que no dia 15 de outubro de 2011 saiu a decisão do juiz: Estávamos aptos a adotar!
Durante estes 13 meses, antes de estarmos aptos a adotar, continuamos acompanhando a vida da pequena Isadora, com visitas ao grupo escoteiro e ao abrigo, onde conhecemos a irmã mais nova da Isadora, a Letícia. Neste período acabamos acompanhando de perto quando um casal foi encaminhado pela Vara da Infância para iniciar a aproximação com as duas irmãs. Algumas semanas depois eu estava no abrigo no dia que o casal chegaria para levá-las em definitivo para sua nova casa. Uma história feliz para elas e cheia de emoção e significado para mim.
Estar no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) não significa necessariamente que a maternidade/paternidade esteja próxima, mas é o primeiro passo dessa gestação gigante. Durante esse período entendemos que muitas pessoas ficam anos na fila porque ocorre um desencontro entre o perfil das crianças que estão disponíveis para adoção e o perfil das crianças sonhadas pelos pretendentes à adoção: a maioria dos pretendentes quer apenas 1 criança de até 3 anos e a maioria das crianças que está a espera de uma família tem mais de 5 anos e com 1 ou mais (ou muitos) irmãos.
Definimos que nosso perfil seria: Até 2 irmãos, sexo e “raça” indiferente, doenças tratáveis, com até 5 anos.
Durante os próximos meses, após a habilitação, em outubro de 2011,seguimos a indicação da assistente social e esperamos que o telefone tocasse e que nosso(s) filho(s) estivesse(m) pronto(s) para que possamos buscá-lo(s).
A virada do ano 2011/2012 foi como a de costume: com uma reflexão sobre o que alcançamos em 2011 e quais os desejos e metas para 2012. E o desejo mais forte, mais intenso, não preciso dizer qual era, não é?
2012 começou e como eu não queria mais ficar parada esperando que o telefone tocasse, fui procurar a ajuda da assistente social para que tentássemos buscar crianças no CNA com o nosso perfil. Cada dia que eu ia até o fórum para fazer essas buscas a esperança de encontrar meu(s) filho(s) ficava muito forte. Mas estes dias acabavam terminando em muita frustração, muita tristeza, porque o CNA tem algumas deficiências técnicas e as pessoas que deveriam operá-lo, inserindo as crianças de suas cidades, tem dificuldades em manter o cadastro atualizado. Mas eu acreditava e tinha certeza que era ali que meu sonho se realizaria. Persisti. E me propus fazer uma última busca no cadastro.
Foi nesta visita ao fórum, na semana do dia 10 de fevereiro de 2012, que o nome de uma pequena de 4 anos e meio surgiu em uma das consultas ao sistema! Era a Eloá. Ligações feitas para o fórum da cidade dela, para o abrigo onde ela morava, tentativas de entender melhor a sua história e o meu coração acelerado! Aceleradíssimo! Será que era ela? Era minha filha que estava lá? Estava me esperando? Ansiedade, curiosidade, vontade de sair correndo, de vê-la, abraçá-la e medo, muito medo.
Cheguei em casa ansiosa por contar as novidades ao marido: Encontrei nossa filha no CNA! Só que a cidade onde ela está trabalha a adoção de forma diferente. Precisamos responder até amanhã se queremos adotá-la (oi?) sem nem ao menos conhecê-la (oi?), mandar o pedido de adoção por email (oi?) e ir buscá-la! Isso mesmo! Ir buscar nossa filha! Não é que vamos conhecer e passar um tempo com ela. Nós vamos lá para bus-cá-la! Trazer para casa! E aí? Vamos?
Para nós, não era um problema buscar nossa filha sem ao menos conhecê-la. Afinal, quem é que conhece o filho (sem ser por US) antes de sair da barriga? Não tínhamos medo de não gostar dela. Afinal, quem é que tem essa preocupação em relação ao 1º filho ao ir para a maternidade ganhar seu bebê? A nossa preocupação era com ela. Ela tinha 4,5 anos! Ela anda, fala, tem lembranças, vontades… Será que ela quer ser adotada? Será que vai gostar de nós? Será que vai querer ir embora com estranhos assim da noite pro dia? Imaginávamos que se nós estávamos com medo, imagina ela!?!
Mas ela estava lá, não estava? Nosso maior desejo para 2012, nosso maior desejo para a vida! Era só assinar e enviar um papel e pronto, nós poderíamos ir buscá-la! Como é que a gente vai dizer não para o sonho que chega na nossa porta assim? Não tinha como. Não mesmo! Assinamos e enviamos a papelada, nossos documentos e combinamos com o fórum que no dia 17 de fevereiro, sexta feira antes do Carnaval, estaríamos lá para buscar nossa pequena. Mais de 800 quilômetros e 9 horas de viagem nos separavam. A ideia é que sairíamos de casa bem cedinho, por volta das 5 da manhã e pegaríamos a estrada. Mas quem disse que a gente conseguia dormir? Os dois na cama “fritando”, rolando de um lado para outro. Como dormir sabendo que sua filha está te esperando?
Estrada. Horas de viagem. E lá chegamos à cidadezinha. Encontramos o fórum, assinamos o termo de guarda provisória e rumamos ao local que abrigava a nossa filha! Estacionamos. E enquanto estava saindo do carro, eu a vi. Ela era menorzinha do que eu imaginava, mas eu sabia que era ela. Era a minha pequena Eloá. Nunca esquecerei do olhar daquela pequenina menina que apareceu na porta daquela casa. Era um olhar curioso, esperançoso, alegre, desconfiado. Era o olhar da minha filha! O primeiro encontro entre nossos olhares!
No dia anterior, a equipe do abrigo havia contado para ela que chegaríamos no dia seguinte. Ali naquele momento, ela sabia que aquela era sua nova família e, ela estava ansiosa por começar essa nova parte de sua vida. Nós também! Estávamos todos em sintonia! Não tinha como dar errado. No momento que a gente chegou ela já queria ir embora conosco.
Ficamos no abrigo por aproximadamente 40 minutos. Neste tempo, a equipe do abrigo nos entregou os documentos dela, deram explicações sobre sua saúde, medicação, seus gostos, seu jeito. E enquanto isso ela chamava nossa atenção, corria, falava, mostrava tudo para nós. Super ansiosa, sempre perguntava: “quando é que vamos embora?”.
E ela estava certa. Por que adiar mais? Nós 3 queríamos sair de lá! E assim fomos. Talvez seja uma emoção parecida com aquela vivenciada com os pais que deixam a maternidade com seus filhos biológicos. Agora éramos nós! Saímos daquela casa como uma família. Um pai, uma mãe e uma filha. Que linda família! Eu nunca a teria imaginado mais perfeita!
Os dias que se seguiram foram de muitas descobertas. Descobri uma menina linda (por dentro e por fora) e muito corajosa, que estava sempre disposta a fazer o que fosse possível para que essa família desse certo. Uma menina, que apesar de um pouco desconfiada no início, se mostrava extremamente carinhosa e sempre querendo participar de tudo, ajudar em qualquer atividade e sem desgrudar da gente por nada. Louca para agradar e cheia de vontade de conhecer coisas e pessoas novas.
Descobri nela a minha filha tão desejada. Descobri também um marido excepcional. Super emocionado com a paternidade e extremamente paciente e participativo em todos os processos com a pequena. Descobri nele um pai, muito melhor do que eu poderia ter sonhado. Descobri ainda uma família que nos apoiou incondicionalmente e que acolheu nossa pequena de uma forma linda de se ver e sentir.
E, finalmente, descobri em mim uma pessoa extremamente feliz. Feliz de ter realizado um grande sonho. Feliz de ter um marido maravilhoso e a filha mais deliciosa do mundo. Descobri em mim uma mãe. Uma mãe de muita sorte. Pelo privilégio de dividir minha vida com essas pessoas tão especiais. A minha linda família!
Não teve parto normal, nem cesárea humanizada, nem amamentação em livre demanda. Mas teve e tem muito, mas muito amor. <3
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*Juliana Muller Bastos é mãe da Eloá e compartilhou com a gente esse texto. Se você também é mãe e gostaria de publicar um texto aqui no Pais em Apuros, basta enviá-lo para nossa redação no e-mail: paisemapuros@gmail.com 😉
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